A Cetamina é hoje uma das drogas mais versáteis do departamento de emergência. Ela pode ser empregada para intubação orotraqueal, broncoespasmo refratário, manejo da dor, controle da agitação psicomotora, estado de mal convulsivo, sedação e analgesia multimodal entre outros.
A Cetamina é um derivado fenciclídico que atua nos receptores NMDA como antagonista não competitivo no complexo de receptores GABA, bem como nos receptores opioides, por isso seu efeito dissociativo e analgésico. Ela é um medicamento simpatomimético, possuindo ação inotrópica positiva direta ao ativar o sistema nervoso simpático e ação inotrópica positiva indireta, estimulando a liberação de catecolaminas e diminuindo a reabsorção das mesmas, assim ela pode levar ao aumento da pressão arterial e da frequência cardíaca, aumentando o débito cardíaco. A Cetamina atua ainda na musculatura lisa dos brônquios, agindo como broncodilatadora. Acredita-se que esse efeito sobre a via aérea ocorra através da modulação da cascata inflamatória.
Ela possui metabolização pela via hepática e gera um metabólico ativo, a nercetamina, que é metabolizada no rim e excretada na urina.
Visto seu mecanismo de ação fica fácil entender sua versatilidade, ela é capaz de gerar analgesia, amnesia, anestesia, broncodilatação mantendo o drive respiratório, uma vez que mantem o tônus da via aérea com preservação dos reflexos laríngeos e faríngeos.
Sua apresentação comercial são por meio de ampolas com 2 ou 10 ml na concentração de 50 mg/mL. A dose dissociativa, que pode ser empregada na intubação orotraqueal, sedação continua e estado de mal convulsivo é de 1,5mg/kg EV, tem um inicio de ação de 30 a 60 segundos, com duração de 10 a 20 minutos. Sua dose analgésica e broncodilatadora é atingida com 0,1 – 0,3 mg/kg EV lento, já para os pacientes com agitação psicomotora acabamos utilizando 5mg/kg IM.
A Cetamina é o agente de indução de escolha em pacientes com doença reativa de vias aéreas, podendo ser utilizada nos pacientes hemodinamicamente instáveis após otimização clínica. Por preservar o drive respiratório, ela também é a droga indicada na Sequência Atrasada de Intubação e no KOBI (ketamina only breathing intubation)
O efeito sedativo da Cetamina é único, pois ela promove estado cataplético dissociativo, onde o paciente não apresenta percepção ou interação com o meio exterior, mas mantem reflexo de via aérea, função cardiorrespiratória, podendo ainda ter abertura ocular e nistagmo.
Muito se fala da sua contraindicação nos pacientes com traumatismo cranioencefálico (TCE), contudo, embora ela aumente a PIC (Pressão Intracraniana), ela também aumenta a PAM (Pressão Arterial Média) e com isso a PPC (Pressão de Perfusão Cerebral), podendo ser utilizada no contexto do TCE.
Contudo, algumas nuances merecem destaque. Em pacientes que possuem depleção de catecolaminas endógenas, a Cetamina se comporta como um inotrópico negativo, podendo exacerbar a hipotensão, esse efeito indesejado é facilmente resolvido ao reduzir a dose pela metade, bem como ofertar catecolaminas exógenas ao doente antes da indução. Outro efeito incomodo é o aumento da secreção faríngea e brônquica que pode ser solucionado com uso de atropina (0.01mg/kg EV). Apesar de descritos são raros os episódios de laringoespasmo, já as alucinações ocorrem com doses subdissociativas, nesse caso só aumentar a dose ou utilizar dose baixa de benzodiazepínicos se isso ocorrer no despertar do paciente. O grande cuidado na indicação da Cetamina é para os pacientes que estão hipertensos ou normotensos com doença cardíaca isquêmica, onde o efeito inotrópico positivo direto e indireto podem desencadear aumento da demanda de oxigênio pelo miocárdio.
E você sabia que o nome da Cetamina foi modificado? Escetamina é o novo registro dela pela Anvisa. Vale lembrar que a Cetamina racêmica é formada pela mistura de isômeros
Dextrogira e Levógira e que a indústria farmacêutica purificou o isômero Levógiro, surgindo assim a Dextrocetamina com maior potência anestésica e analgésica e menos efeitos alucinógenos.
Não deixe de considera-lá em seus plantões no departamento de emergência.